sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Crónica da Semana por Vânia Gregório

O hipócrita do actual modernismo de telhado de vidro

O mundo floresce em frágil modernidade à sombra de protótipos idealizados em bom nome da moral e dos bons costumes, enquanto é saciado pela ilusão de que vivemos em igualdade. Igualdade? Numa sociedade, toda ela dita igual, que se auto-recrimina a ponto de se catalogar em função do conceito de “normal”, numa sociedade assim onde há um separador entre direitos heterossexuais e homossexuais aos olhos do casamento civil, numa sociedade assim onde se alimenta a ideia de que “homem é homem; gay é gay” por não dizer um “basta” ao preconceito, há igualdade? (hipocrisia quase ingénua, essa há, qual igualdade).

Ontem julgávamo-nos antiquados por catalogar a homossexualidade como doença ou devaneio da moda, hoje já não, hoje cremo-nos como modernos. Modernos? Será por menosprezar o amor homossexual face ao heterossexual ou por apontá-lo como destruição dos valores familiares? Se não fosse uma questão séria, daria vontade de rir, até porque nos tempos que correm, acho impressionante insistirem ainda em diferenças entre as orientações sexuais e a consideração delas a nível social e lamento a ilusão absurda da existência do “normal”. Numa sociedade, cada qual tem o seu rótulo.

Mas a verdade é que a homossexualidade fere muito a sensibilidade dos que se acham tolerantes, e quase que serve de ultraje à conduta moral da maioria dos casais portugueses. Susceptibilidades à parte, porque não a aceitam? Será espécie de culpa católica? Ou mera ignorância evangélica a cair no ridículo?

Muito bem esteve Paulo Rangel, ao defender o casamento como sendo uma continuidade à espécie humana, ou seja, ao reduzir o casamento ao propósito de procriar e que por isso o conceito de casamento deve excluir duas pessoas do mesmo sexo. Curioso é achar que só um casal homossexual está naturalmente impedido de conceber. Então e os casais inférteis podem casar? Segundo a lógica do líder parlamentar do PSD (partido esse apontado, há relativamente pouco tempo, como retrógrado) não e no entanto podem. Curioso. Um casal de terceira idade que queira formar vida conjunta a partir do matrimónio pode fazê-lo, sabendo que não tem qualquer vontade e nem possibilidade de ter filhos? Pode e no entanto os homossexuais não, e porquê? Porque não podem ter filhos. Sentido não faz, mas é a tradição do PSD, e tradição é tradição, vamos respeitar!

O CDS-PP em contrapartida mostra-se numa posição mais indulgente ao dizer que respeita “as opções de vida de cada um” e no entanto, ironicamente recusa qualquer alteração à natureza jurídica do casamento. Pergunto, é possível respeitar as opções de vida privando-as de serem vividas?

Muito tradicionalistas, muito respeitosos e admitem o menosprezo aos casais homossexuais? É justo, fazê-los crer que têm um problema que dá azo à tida como merecida discriminação? Admitem e acham justo porque nunca tomaram as dores do lado que acusam e recriminam. Apoiá-los, para além de instaurar igualdade de verdade e não de segunda, mostra também à sociedade em geral que ser homossexual não é um erro, não é “anormal” e deve ser respeitado.

E é com esta vontade – dizer não à discriminação – que o Partido Socialista apresenta no seu Programa de Governo medidas concretas para se sejamos uma sociedade mais respeitadora, mais correcta e sobretudo mais tolerante com as diferenças. Medidas estas como proporcionar a todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual e identidade de género, o pleno usufruto dos direitos constitucionais. Concretamente, propor a aprovação de uma Lei da Igualdade; remover as barreiras jurídicas à realização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo; aperfeiçoar os mecanismos de apoioa vítimas de discriminação, entre muita outras medidas.

Deixo um apelo, antes de julgar seja quem for, que a seus olhos não pertença à sua redoma de vidro, que abarca todo o tipo de padrão por si suportável como “normal”, tente procurar primeiro o seu rótulo, pode ser que os seus pés também estejam fora dela.

Saudações Socialistas,

Vânia Gregório

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