No ano abençoado aos olhos dos meus pais, nasci eu, uma menina. "Então? mais uma rapariga?" Pensam as rugas indignadas da experiência dos mais vividos face ao sexo da criatura, enquanto a pobre mãe se ilude por simplesmente achá-la como "a mais bela menina da maternidade". Mais uma para não dar continuidade ao nome da família é o que é; ai que se não fossem os filhos e os netos e os "os" da família, o que seria dele? Havia de se extinguir. A partir daí não me livrei da maldita película invisível que se começara a agigantar em meu redor!
Entretanto cresci. Na escola primária aprendi que a mulher era tida como o apoio do Homem e que os filhos dependiam do ordenado do pai e do zelo da mãe. No meu ainda inocente papel de menina isto nada me dizia e nada me afectava, pois mulher ainda não era! Sem dar por isso, a película cresceu!
Entrei na escola secundária e lá, por mais raparigas que tivesse um grupo, bastava ter um rapaz para nos abordarem com um plural masculino! «Quantas sois vós meninas?» "Vinte"; «e vós meninos?» "Dois". «Então venham que vos quero ver, que lindos estão!» Lindos? Pensava eu, mas nada pronunciava, nem dava importância, ninguém dá! Fui à psicóloga com a finalidade de escolher uma profissão futura que me garantisse uma vida económica segura, qual o meu espanto, quando me disse que 99% das profissões que procurava eram as bem-ditas “profissões de homem”.
“Profissões de homens” que ao serem desempenhadas por mulheres seriam menos remuneradas. Ou então, para receber o mesmo que eles, teria de adquirir todas as qualificações académicas possíveis e imaginárias ao meu alcance ou não! Enfim, é melhor contentar-me, pelo menos já posso usar as calças. É de se agradecer à tolerância da sociedade! E a película cresceu!
Pondo de parte perguntas retóricas, a pergunta é: é de mim ou foi-me imposto o papel secundário ao longo da minha desenvoltura? Agora, mulher, vejo que tudo me atingia! Mas não agia! Porque? Quando nos dizem pela primeira vez que 2*2=4 vamos contestar? Não! Porquê? Porque assim nos foi ensinado! E o Pai Natal só deixa de existir quando nos confessam que na realidade é só uma manobra de distracção para os pequenos se portarem bem na escola, certo? Ser mulher é o mesmo. Passamos meia vida a achar que é uma determinada coisa sem muito reflectir à cerca, para depois cairmos na noção de que somos vítimas de uma cultura que faz jus ao menosprezo pela mulher e pelos seus direitos!
É impressionante como se forma uma invisibilidade à nossa volta à medida que descobrimos o mundo. Tornamo-nos invisíveis sem perceber, sem dar conta, e muitas de nós conformaram-se com isso, outras já não.
Fala-se em igualdade. E mais uma vez vos digo, igualdade onde? Não precisamos ir muito longe para justificar o nosso riso sempre que se ouve isso. A sociedade, por exemplo, é bastante exigente para com a mulher! Sempre foi, caso contrario nunca se alimentaria a ideia de que o sexo mais forte é o masculino e o mais fraco o submisso feminino. Para a mulher ser reconhecida precisa de se esforçar muito mais que um homem para obter o mesmo sucesso a nível profissional e até mesmo social, é uma realidade! Mas que nunca foi relevada ao ponto de implementar medidas que vão contra essa desigualdade de oportunidades! Na união Europeia as mulheres recebem menos 17% do que os homens e a violência doméstica continua a atingir entre 20% a 25% das mulheres europeias.
Há quem fique a assistir e há quem aposte numa postura mais recta e sensata, como o PS que sempre promoveu a igualdade de géneros e o combate á discriminação baseada no género. Uma boa nova é a criação de uma Secretaria de Estado da Igualdade que é uma das principais novidades na orgânica do XVIII Governo Constitucional, pasta que será assumida por Elza Pais, que no anterior Governo era comissária para as questões nesta área.
Segundo fonte do executivo, a Secretaria de Estado da Igualdade terá como papel "o combate à violência doméstica e o combate à discriminação no mundo do trabalho".
Outra área que será tutelada por esta Secretaria de Estado relaciona-se com a conciliação da vida profissional com a familiar. Em rumo à alteração das estatísticas, já não era sem tempo!
Vânia Gregório